quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Biografias Horizontais III ( A Miragem)


Amanhece. Abro os olhos e vejo repousado ao meu lado um corpo de mulher. Descoberta de suas vestes como um campo tornado deserto. Desprotegida em sua nudez como as falésias devoradas pelas ondas. Pelo teto solar do hotel vejo as últimas estrelas desabarem em massa. Suicida-se uma lágrima que desemboca no indescritível. Não consigo me lembrar de mais nada. Apenas de ter me cegado com o brilho das estrelas do céu, da sua boca. Minhas mãos não conseguem se mover.Se tocá-la, certamente descobrirei que tudo transcorreu no onírico. Nos minutos sucedentes, meu tempo petrificou. Quando a posição desconfortavelmente inerte começou a formigar meu corpo, resolvi atestar a veracidade do oásis. Minha sede começou a se tornar insaciável em meio àquele deserto de dunas acentuadas em curvas. Ao mais calmo toque das minhas mãos, ela despertou. Ficou espantada ao ver que tinha amanhecido. Levantou-se e se vestiu apressada. Antes de abrir a porta para até outro dia quem sabe, ela sorriu. As estrelas estavam ofuscadas pelos raios de sol. Logo após, retornei à órbita terrestre e saí do quarto com a carteira mais leve.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Meus Dias Engarrafados



"Soprava um vento gelado contra os vidros da janela do seu automóvel, fazendo embaçar a visão, distorcer a realidade. Nada conseguia se mover em quilômetros no abarrotar da rodovia. "
(Mulher de São Jorge - Taciano J. Mattos)

O despertador toca desafinado. Acordo aturdido com o barulho e levanto da cama. São 4:30h da madruga. Escovo os dentes e tomo uma ducha bem quente. Às 5:00 já consigo abrir os dois olhos. Tomo um improvisado café da manhã e vou para o trabalho. Saio da garagem e inicio a jornada exaustiva. Logo nos primeiros minutos já consigo observar uma fileira de carros emparelhados como peças de dominó. A impressão que tenho é que se o da frente desmontar todos os demais cairão com ele. E não é que a metáfora é verdadeira. Acidente na Av. Bonocô deixa dois mortos. Ligo o rádio. No intervalo das músicas, notícias fresquinhas de mais um dia que começa a todo vapor. Resumo da ópera: chacina nas Malvinas, assalto a banco na Pituba e um pai acusado de violentar a filha de 3 anos foi convidado ao suicídio por seus companheiros de cela. Ufa! Desligo o rádio. Meu mp3 de Jazz combina mais com a ocasião. Enquanto o carro se arrasta como um jabuti entrevado, o vidro dianteiro já foi lavado três vezes. “Ô tio, na moral aí tio, só uma moedinha”. No auge dos meus 22 anos, me sinto realmente um “tio” nessas circunstâncias. Preciso repor meu estoque de moedas. Há muito tempo não me questiono mais sobre o destino que elas terão. Comigo também não seriam lá grande coisa. Mesmo abafado pelos vidros fechados, ainda se escuta o som esquizofrênico das buzinas. Adoro ficar observando as pessoas dos carros ao lado. E o melhor é a alta rotatividade. Dá até para paquerar. Já dizia um velho e sábio amigo que se o inimigo é irremediável, ele deve ser seu melhor aliado. Pois bem. Aprendi a gostar dos engarrafamentos. Agora falta eu achar uma forma de me aliar ao meu outro grande inimigo: o despertador que me acorda as 4:30 da madruga. Vou te contar que está difícil viu!...

PS.: gostaria que vocês apresentassem sugestões para que o personagem faça as pazes com seu despertador ( ( coloquei na 1ª pessoa, mas eu - graças a Deus não tenho que acordar 4:30 h)...

abraços e boa leitura

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Questionamentos


Escuta:eu te deixo ser. Deixa-me ser,então."
Clarice Lispecktor

Não é fácil ser quem sou. Para você é fácil ser quem é? Tenho medos como qualquer outro. Tenho planos como qualquer outra. Se bem que normalmente não sonho. Minha realidade não me permite devaneios. Penso que todos sonham com flores azuis e vermelhos intensos, com uma queda no abismo ou um voo pelas falésias. Você sonha? Pelas estradas sigo meu destino. Pistas sinuosas, curvas perigosas. Já derrapei inúmeras vezes. Certa vez até peguei a contramão. Pensando bem... foram tantas as vezes. Não gosto de ser quem eu sou. Você gosta de ser quem é? Se bem que não posso reclamar. O vento costuma soprar a meu favor. Tempestades intensas me assustam. Mas é na calmaria que me entrego ao desespero. Meu porto seguro é o mar. Ancorado no cais não tenho como fugir de mim mesmo. Sou guiado ao sabor das correntes. O acaso é meu doce lar. Minhas luas têm ângulos diferentes. Em cada canto, encontro alguém para amar. É difícil entender o meu mundo. Dessa forma peço que me explique o seu. Parei a muito tempo de me fazer perguntas difíceis. Pensei que seria um eterno questionador. Grande bobagem. Quem muito pergunta, descobre que está cheio de dúvidas. E eu adoro a ilusão de que tudo sei, ao menos sobre mim. Mas, lá no fundo, sei que não sei de quase nada. Você sabe? Se não sabe por que tenta me dizer o tempo todo? Nem sei o motivo de escrever tudo isso. Sinto-me mais tranqüilo. Enfrentamos esfinges a todos os momentos. “ Decifra-me ou devoro-te”. Meus códigos são tão complexos que nem eu mesmo os decifraria. Mas têm tantas pessoas empenhadas na tarefa de descobrirem quem sou, que chego a pensar que talvez elas já saibam quem são. Senão, se não, pobres criaturas. Serão devoradas pelo tempo e verão sua existência reduzida a uma busca sem o menor sentido.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Biografias Horizontais II


Sou puta! Respondia sem pestanejar quando questionada sobre sua profissão. Isso não era nenhuma vergonha. Ela jamais roubou. Baseados eram raridades que serviam apenas para amenizar aparências hostis. O pior em trabalhar com sexo é que pessoas bonitas geralmente o conseguem de graça. Não era apenas o dinheiro que a estimulava, mas também o prazer. Um orgasmo múltiplo era sua remuneração mais desejada. Ela não era ninfomaníaca, simplesmente gostava de se sentir preenchida. Para ela, sua profissão era a mais completa de todas. Trabalhava, literalmente, com prazer. Estabelecia sua própria jornada e os honorários não eram ruins. Fazia faculdade de Direito pela manhã e, o que por sinal ela adorava, podia fazer um amplo trabalho social. Afinal de contas, indivíduos sem sexo ficam extremamente depressivos e/ ou agressivos. Ela não oferecia só sexo. Havia um poderoso divã no meio de suas pernas. Ela abria o óbvio e os homens escancaravam o mais oculto de seus sentimentos, desejos e frustrações. O sorriso dos clientes a agradava muito. Era o sinal de um trabalho bem feito e de mais um dever comprido.

“ trouxeram um trem carregado de putas inverossímeis, fêmeas babilônicas adestradas com recursos imemoriais e providas de toda espécie de ungüentos e dispositivos para estimular os inertes, despertar os tímidos, saiar os vorazes, exaltar os modestos, desenganar os múltiplos e corrigir os solitários...” ( Cem anos de solidão – Gabriel Garcia Marques).

P.S.: Esse texto é mais uma das biografias horizontais que, conforme prometido, irei publicando aos poucos no blog. Lembrando que as obras encontram-se devidamente registradas, sendo que qualquer cópia ou reprodução dependerá de prévia autorização do autor, no caso, eu... hehe!

Muito obrigado a todos os que têm me enviado scraps no Orkut, e-mails ou deixado postagens aqui no blog. Fico muito feliz que vocês estejam gostando e espero sempre contribuir para que todos tenham uma boa leitura e, conto também com a colaboração de todos. Postem aqui suas crônicas, suas poesias, seus desabafos, suas histórias, enfim, escrevam... faz bem para a mente e para a alma. Quem preferir pode enviar o texto para meu e-mail que eu publicarei com o maior prazer e, claro, identificarei devidamente o respectivo autor.
Abraços!

Roberto Ney O. Araújo Júnior
e-mail: robertoney@gmail.com

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

As borboletas de Vênus


Tendo em vista os princípios da lei da física, as borboletas de Vênus desafiam a lei da gravidade. Mesmo com suas asas pesadas, conseguem flutuar como um condor em vôo rasante. Mesmo com as cores da primavera, as borboletas de Vênus irradiam beleza. Não uma beleza que ofusca, mas uma beleza que se infere. Elas são como as entrelinhas de Clarice Lispector. As borboletas de Vênus são figuras amorfas indescritíveis aos olhos relapsos. Somente quem as observa com intensidade pode perceber a complexidade de seu conteúdo. Subentende-se. Nada é tão óbvio quanto parece nessas criaturas tão hostis e tão dóceis como a luz do luar. Corrompidas pela radioatividade tácita das metrópoles, suas máscaras coloridas escondem uma figura em preto e branco. Os falsos ilibados ficam estarrecidos com o bater esquizofrênico de suas asas, tentando chegar mais rápido, tentando voar mais alto, e observam sem piedade a sua queda fatal. Mesmo o colorido fluorescente dos seus olhos não camuflam o pretume das ruas pantanosas. É demais evidente. No chão, elas se arrastam desmilinguidas, estupefatas com os atropelamentos inevitáveis dos trânsitos. Os predadores andam sempre à espreita.
As borboletas de Vênus são devoradas elo poder inequívoco da fome. Elas são dilaceradas pelo desejo incontrolável do consumo. Nem com sua eloquência teatral elas conseguem dissipar os pusilânimes. Os idiotas é que são felizes. Suas percepções não ultrapassam suas convicções inverossímeis sobre a realidade. Mas as borboletas de Vênus são dotadas de raciocínio lógico, elas refletem sobre tudo, debatem, refutam, questionam. Não admitem o inadmissível. Não concordam com o inconcordável. E, por isso, são arrancadas do cacho como uma uva podre. São expurgadas a todo custo como uma neoplasia. Sua retórica assusta. Sua aparência constrange. E o que mais me deixa confuso é que as borboletas de Vênus só trazem uma característica excepcional. Elas são diferentes de tudo e não tentativas frustradas de cópias imperfeitas.
E você?



Aproveito a oportunidade para agradecer a todos aqueles que me fazem sorrir, pois como disse Erasmo de Rotterdam, " rir de tudo é coisa dos tontos, mas não rir de nada é coisa dos estúpidos". Então "vá mentindo a tua dor, que ao notar que tu sorris, todo mundo irá supor que és feliz...". " falei como um palhaço, mas jamais duvidei da sinceridade da platéia que sorria..." ( Charles Chaplin)


PS.: essse texto foi escrito em 31/03/2006 durente uma aula de Direito Comercial na faculdade. Dá para ter uma noção de como a aula estava interessante... pelo menos serviu para me inspirar. Quanto ao Direito Comercial... ( prefiro não comentar!!)

sábado, 3 de janeiro de 2009

biografias horizontais I


Aos 12 anos a menina conhece seu primeiro homem. Enquanto as bonecas vão desaparecendo, as ilusões vão se multiplicando. Aos 13 anos ela faz seu primeiro aborto e, junto com aquele feto, ela expulsa do seu corpo sangue e sonhos. Aos 15 anos ela chora pela morte de sua inocência. Percebe que a vida é cruél para as pessoas ingênuas. Aos 16 anos ela já teve tantos homens que até perdeu a conta e já abandonou tantos sonhos... Aos 18 anos ela se apaixona pela primeira vez. Ele promete largar a esposa e lhe jura amor eterno. Depois paga pelo serviço e vai embora como qualquer outro. Só que ela está cansada de abrir as pernas para a enrada de promessas e saída de sonhos. E assim a vida vai passando e ela completa 30 anos. Os homens já não a querem mais. A vida já não a quer mais. Após várias carteiras abertas para abrirem suas pernas, ela resolveu fechar os olhos e, dessa vez, não abrí-los jamais. Resolveu parar de sonhar, de vez.

PS.: esse texto faz parte de uma série de crônicas chamadas biografias horizontais que aos poucos irei publicar aqui no blog. E, como sempre digo, não sesintem acanhados e postem aqui seus textos também, com certeza só irá acrescentar... abraço a todos e obrigado pelos elogios que tenho recebido ( em especial a ju paiva, thais anjos, cléo anjos, taciano mattos, jotapê, helena vieira, tassia anjos, ju maria, adiane, the caires, enfim, todos os que já deram o ár da sua graça aqui...)