quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Plástico corpo quase humano


Olhem para mim,
Sou outra pessoa,
Alguém reconhece?
Meus seios inflados,
Meu rosto esticado,
Minha pele de bebê.
Meu nariz empinado
Foi se modificando
Sem eu perceber.
Me sentia poderosa,
Se saía na rua
Só ouvia “gostosa”,
E saía rebolando
Meu bumbum siliconado.
Me sentia a bacana
Quando ia trocar
Minhas unhas de porcelana.
Os meus cílios postiços
Ressaltavam as lentes
Azuis, é claro.
Meu cabelo pixaim, e preto e desarrumado,
Ficou loiro como o sol
E totalmente esticado.
Fui montando meus sonhos
Em meu rosto pintado,
Em meu corpo de sapatos
E grifes embalsamado.
Eu chegava arrasando,
Abafando, detonando,
Os homens me desejavam,
Idolatravam esse corpo
Criado por Deus,
E pelo homem esculturado.
Não faltavam coroas ricos
Querendo se exibir ao meu lado,
Pagando um bom trocado
Para romper novamente
Meu hímen remodelado.
Mas o tempo levou os homens,
Levou o dinheiro,
Levou o botox.
Meu corpo foi despedaçando,
Foi se ferindo, se mutilando,
Sangrando silicone ácido,
Corroendo um coração verdadeiro
Auxiliado por um bom marca-passo.
Virei um emaranhado de peles sobrepostas,
Um aglomerado de células mortas.
Minhas virgindades tantas vezes perdidas,
Levaram-me, uma a uma, o sabor do prazer.
Sinto-me agora monstruosa,
Apenas a morte não notou que estou morta,
E se esqueceu de vir buscar,
O corpo esquálido no qual me transformei
Quando queria apenas me encontrar.

Cada um deve ir em busca do que lhe convém. Mas não deixe que o espelho seja mais importante que sua sombra. Espelhos são como os olhos alheios. E se quiser a opinião de alguém que lhe ama de verdade, olhe-se com seus olhos.

Beijo pra quem é de beijo.
Abraço pra quem é de abraço.